terça-feira, 13 de maio de 2008

II Encontro Regional de Mediação Familiar em Portugal

Semanário Edição n.º 448, de 9/5 a 15/5
ENTREVISTA
“Sociedade actual leva a que os filhos fiquem esquecidos”
Segundo Luísa Santos, o individualismo dominante contraria o espírito da mediação familiar, onde “não há ganhadores nem perdedores”
CARMEN VIEIRA



A administradora da delegação regional do Instituto Português de Mediação Familiar ressalva ainda que a mediação não é terapia familiar: “Não evita separações, faz com que o papel conjugal e o parental não se confundam.”Tribuna – Qual é o balanço que faz do primeiro ano de existência da delegação regional do Instituto Português de Mediação Familiar? Luísa Santos – Visivelmente, parece que nada foi feito mas, até agora, tem sido desenvolvida a formação em mediação familiar, com mediadores a trabalhar já em regime privado. Terminou agora o segundo curso, de onde saíram 13 que se juntam aos primeiros 15. O governo começa a mostra interesse pela mediação familiar, que já é obrigatória nalguns países europeus. Queremos pôr a mediação em execução, mas faltam-nos os recursos, ficando apenas a boa vontade. Temos reunido mensalmente na UMa, debatendo a forma de poder executar o trabalho. Temos reunido com a Segurança Social e a Câmara do Funchal na tentativa de angariar apoios para dar aos mediadores um espaço onde as pessoas possam usufruir deste recurso. Quem mais recorre à mediação familiar são as famílias de fracos recursos económicos, que necessitam um apoio. Por isso precisamos de pessoas e entidades dispostas a ajudar para que isto possa acontecer. Tribuna – Portanto, ainda não chegaram a essa fase? LS – Sou uma pessoa optimista e quero acreditar que está mais perto do que longe. Queria que fosse ainda este ano. Tribuna – O trabalho feito até agora tem sido, então, “de bastidores”, tentando ultrapassar os obstáculos burocráticos? LS – Toda a gente quer que isto funcione, só que o caminho não está feito e quando é assim custa. Tribuna – Na Região, a mediação familiar começa a ser uma necessidade urgente. Qual é a situação da Madeira em comparação com o resto do país? LS – Há bem pouco tempo, o dr. Daniel Sampaio veio cá dar uma conferência. Disse-lhe que no Funchal a mediação familiar estava muito atrasada e ele respondeu que o mesmo se passava no resto do país. “Síndrome de alienação parental” Tribuna – Mas começa a haver na Região mais consciência e sensibilidade em relação ao facto desta alternativa já existir? LS – Tenho a certeza que sim. Para além de já termos divulgado o nosso trabalho, o próprio desenvolvimento que existe ao nível da separação e da nova lei do divórcio aponta para a mediação como uma alternativa ao recurso aos tribunais. Tribuna – Na maioria, são as situações de separação e de definição do poder parental que requerem a intervenção do Instituto? LS – Sim. A mediação não resolve o problema da separação dos pais. Eles chegam decididos a se separar. O mediador é chamado para fazer com que o papel conjugal e o parental não se confundam. Para conseguir isso é preciso regular os acordos entre os pais para cuidar das crianças. Como será a responsabilidade pela educação da criança, a pensão de alimentos, com quem vai viver a criança e passar as férias, etc. são alguns dos pontos em discussão. É muito duro passar por esta fase num momento de separação. O mediador é o profissional que defende o interesse da criança. Tribuna – Na sociedade actual, faz cada vez mais sentido privilegiar esta área, tendo em conta valores dominantes como o individualismo, que podem fazer com que os filhos fiquem esquecidos? LS – Os filhos começam a ficar esquecidos e sentem-se num dilema. Pode haver ruptura conjugal, mas não pode haver nunca ruptura parental. Habitualmente, nestas situações as crianças sofrem do chamado síndrome de alienação parental: sentem-se órfãs de um pai vivo. “Tribunal entulhado de processos” Tribuna – A sociedade actual não permite que as pessoas sejam tão bons pais como acontecia antes ou são os pais que se demitem do seu papel? LS – Não há bons e maus pais, isso é subjectivo. O que vemos na sociedade actual é, de facto, o desenvolvimento do individualismo, onde o interesse próprio é mais importante que o dos outros. Essa postura é contraria à da mediação: na mediação não há ganhadores nem perdedores. Só por isso a mediação tem um papel educativo, ajudando os indivíduos a se relacionar para permanecer juntos nas ideias. É claro que todos perdem algo, mas sem perder não se constrói nada. Neste sentido, a mediação contribui para a criação de uma sociedade mais responsável e saudável. Esta técnica torna as partes participantes e ensina-as a partilhar. Fá-las sentir-se autónomas no processo. Este trabalho é contrariado quando as pessoas recorrem aos advogados, já que cada um defende o seu cliente. O mediador é para os dois e centra-se fundamentalmente no interesse da criança. Tribuna – Esta alternativa também poderá ajudar a diminuir o número de casos que chegam a tribunal? LS – Essa é um das mais valias que experiências noutros países têm já demonstrado. As situações de separação e regulação do poder parental entulham os processos ao nível do tribunal. Se houver o recurso à mediação a situação vai melhorar, abreviando as decisões ao nível do tribunal. Tribuna – Parece-lhe que os madeirenses poderão estar já sensibilizados para recorrer a esta alternativa em vez da via judicial? LS – Começam a ficar, já ouvem falar a mediação familiar. Ainda existe a ideia que os mediadores intervêm no sentido de evitar as separações, mas mediação não é terapia familiar. Aos poucos as pessoas apercebem-se disso, já tenho sido contactada para saber mais sobre a mediação familiar. “Falta um espaço físico” Tribuna – Disse que são as pessoas de mais fracos recursos a recorrer a esta técnica. Existe uma relação causa-efeito comprovada? LS – Não há estudos que demonstrem isso. Nos países onde a mediação é obrigatória, toda a gente recorre a esta técnica mas, na mesma, há outras alternativas às quais as pessoas podem recorrer. Nos outros países as pessoas com dinheiro costumam recorrer aos advogados para resolver o problema, enquanto as pessoas sem dinheiro recorrem à mediação. Tribuna – A interligação da delegação regional do Instituto com as entidades relacionadas com o sector tem sido positiva? LS – Da parte do Tribunal de Família e Menores, o juiz Mário Silva tem estado connosco desde o início e quer muito que a mediação funcione. O problema é a falta de recursos para dar. Por isso gostaríamos a ajuda da Câmara do Funchal e da Segurança Social. Assim, o tribunal poderia nos apoiar. Noutros países, a ligação dos mediadores faz-se directamente com os tribunais, mas não é impossível criar um espaço físico na Câmara do Funchal onde depois seja a feita a ponte do Instituto com o tribunal. O tribunal e a Segurança Social são os parceiros fundamentais na mediação familiar. Tribuna – O principal problema da delegação regional do Instituto é, então, a falta de um espaço físico? LS – Sim. A delegação funciona quase ao nível virtual e gostaríamos de ter um local que desse mais credibilidade ao nosso trabalho. Até porque temos em vista o projecto casas de fim-de-semana: um espaço onde os pais em vias de separação e impedidos por razões várias podem ver as crianças. É uma forma de as crianças não perderem o contacto com os pais.
Como funciona a mediação familiar
Segundo Luísa Santos, uma média de seis sessões costuma conseguir resolver o problema. “Na primeira sessão o mediador explica aos intervenientes como decorrerá todo o processo. Nas sessões intermédias, o mediador tomará nota de todos os dados importantes a introduzir no acordo e, por fim, é redigido o acordo”, descreve. “Existem situações em que o mediador percebe que é impossível mediar o caso e ali é preciso recorrer ao tribunal.”
Sargento Luís Gomes vem ao Funchal
Nos próximos dias 30 e 31 realiza-se no Colégio dos Jesuítas o II Encontro Regional de Mediação Familiar, dois anos após o primeiro. “Na altura sentimos que muita gente na Região desconhecia a mediação familiar ou dava-lhe uma conotação diferente da que tem na realidade”, recorda Luísa Santos. A maioria dos oradores vêm do continente. “Pensamos que será uma mais-valia trazer pessoas de fora, uma vez que têm mais experiência”, justifica. O tema é “Casa de Pai, Casa de Mãe”. “Um dos principais dilemas e causas de conflito na separação é saber qual é a casa em que ficam as crianças”, explica. Em debate no primeiro dia estarão dois temas: a separação e a protecção das crianças. Os oradores serão o professor da Universidade Católica Roberto Carneiro (a confirmar); Albertina Pereira, juíza que faz parte do Grupo Europeu de Mediadores Familiares; o director do Gabinete de Resolução Alternativa de Litígios (do Ministério da Justiça), Domingos Farinho; um membro da delegação regional do Instituto e uma psicóloga. Haverá ainda dois workshops: “Pais Biológicos vs. Pais Psicológicos: É Possível Proteger as Crias!...”, com o vice-presidente da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens, Maia Neto. O outro será “A Regulação do Poder Parental – A Criança Como Arma de Arremesso”, com o procurador geral e docente no Centro de Estudos Judiciários, Norberto Martins. No dia seguinte será debatido “O que Devem Ser os Tribunais de Família”, com o juiz Mário Silva e a procuradora Joana Marques Vidal e a “Expectativa dos Pais nos Tribunais”, com o sargento Luís Gomes como orador. “Não queremos entrar em polémicas em relação a este caso, mas apenas ter o testemunho da sua experiência enquanto pai”, salvaguarda. Os interessados em se inscrever no encontro, podem fazê-lo através do site: http://ipmff.pt.vu, do e-mail: ipmffunchal@gmail.com.
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