quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Quem assume compromisso deve ter obrigações

RETROSPECTIVA 2010

Por Maria Berenice Dias

Este texto sobre Direito de Família faz parte da Retrospectiva 2010, série de artigos sobre os principais fatos nas diferentes áreas do Direito e esferas da Justiça ocorridos no ano que termina.


A casa das leis deve ter a cara do povo.

Por isso a Câmara Federal precisa estar atenta na defesa dos cidadãos. De todos eles. Já é por demais sabido que não há afronta maior ao princípio da igualdade do que tratar igualmente os desiguais. Assim, muitas vezes é necessário discriminar para proteger. Afinal é para isso que servem as leis. Criar mecanismos que deem efetividade aos comandos constitucionais. Dentre eles, o mais significativo é assegurar o respeito à dignidade da pessoa.
Não foi outra a preocupação de um punhado de juristas que durante mais de um ano se dedicou à elaboração de uma legislação que atendesse a realidade da sociedade dos dias de hoje. Além de atentar à diversidade dos vínculos afetivos, era indispensável disponibilizar mecanismos processuais para dar agilidade ao mais urgente ramo do Direito, pois é o que tem maior significado e diz com a vida de todas as pessoas. Daí, Estatuto das Famílias. Um microssistema que reescreve todo o Livro do Direito de Família do Código Civil e traz os procedimentos para dar-lhe mais efetividade. Aliás, não há forma mais moderna de legislar. Uma única lei assegura o direito e sua realização.
O Projeto de Lei 674 tramitou na Câmara Federal desde 2007. Sofreu inúmeras emendas na Comissão de Seguridade Social e Família e foi aprovado por unanimidade. Na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania os debates foram exaustivos e inclusive foi realizada uma audiência pública. Com novas alterações e a incorporação de vários projetos, no dia 15 de dezembro, aconteceu sua aprovação, em caráter conclusivo, com somente dois votos contrários.
Apesar dos cortes e recortes, a essência do Estatuto se manteve. O tema mais polêmico — a regulamentação das uniões homoafetivas como entidade familiar — infelizmente foi alijado do projeto. Mas as novidades são inúmeras. Em atendimento à Emenda Constitucional 66, foi eliminada a separação. Restaram excluídos o regime de participação final nos aquestos (que não mereceu aceitação), e o injustificável regime da separação obrigatória de bens. Foi além. Tornou possível a alteração do regime de bens por escritura pública, mas sem efeito retroativo. A união estável passa a constituir um novo estado civil. São reconhecidas as entidades parentais, ou seja, grupo de irmãos que não tem pais. A socioafetividade gera relação de parentesco e a presunção de paternidade ocorre quando os genitores conviviam à época da concepção. Quem dispõe da posse de estado de filho pode investigar sua ascendência genética, o que não gera relação de parentesco. O abuso sexual, a violência física, bem como o abandono material, moral ou afetivo podem ensejar a perda do que passou a se chamar, de modo mais adequado, de autoridade parental. Tal não desonera o genitor do encargo alimentar, mas impede que seja reconhecido como herdeiro do filho. É admitido o casamento do relativamente capaz, contanto que haja o consentimento dos pais e tenha ele condições de consentir e manifestar sua vontade.
Mas certamente as grandes novidades estão nas normais processuais. Pela vez primeira as demandas de família têm princípios próprios e ferramentas processuais que garantem sua efetividade. Assim, todos os processos têm tramitação prioritária, sendo possível a cumulação de medidas cautelares e a concessão de antecipação de tutela. Haverá sempre conciliação prévia que pode ser conduzida por juiz de paz ou conciliador judicial. O Ministério Público intervém somente nos processos em que há interesses dos menores de idade ou incapazes. O divórcio pode ser extrajudicial quando as questões relativas aos filhos menores ou incapazes já estiverem acertados judicialmente. Na ação de investigação de paternidade, quando o autor requer o benefício da assistência judiciária, cabe ao réu proceder ao pagamento do exame genético, se não gozar do mesmo benefício.
No entanto, foi no âmbito do direito alimentar que as mudanças são mais significativas. Os alimentos são devidos a partir de sua fixação e, ao ser citado, o réu é cientificado da automática incidência de multa de 10% sempre que incorrer em mora superior a 15 dias. O encargo alimentar ficou limitado à idade de 24 anos. O genitor não-guardião pode exigir a comprovação da adequada aplicação dos alimentos pagos. A falta de pagamento dos alimentos enseja a aplicação da pena de prisão a ser cumprida no regime semiaberto. Em caso de novo aprisionamento o regime será o fechado. Além de a dívida ser encaminhada a protesto e às instituições públicas e privadas de proteção ao crédito, foi criado o Cadastro de Proteção ao Credor de Alimentos, onde será inserido o nome do devedor de alimentos.
Estas são algumas das mudanças que o novo Estatuto traz. Mas nenhum desses avanços vem sendo alvo da atenção da mídia. Em desesperada tentativa para que não ocorra sua aprovação pelo Senado, as bancadas conservadoras, fundamentalistas e religiosas, passaram a afirmar que o Estatuto chancela a bigamia e assegura à amante direito a alimentos e partilha de bens. O movimento bem mostra a postura revanchista de quem deseja mesmo é voltar ao modelo da família matrimonializada e acabar até mesmo com o divórcio. É tão severa a influência deste segmento, que detém inclusive a propriedade de boa parte dos meios de comunicação, que há que se tomar cuidado. Não é de duvidar que seja aprovada lei que determine o uso de burkas e institua a morte por apedrejamento. Tudo por conta de um moralismo retrógrado.
O que o projeto já aprovado reconhece é que as pessoas que não estão separadas de fato não podem manter união estável. Mas caso tal ocorra — o que infelizmente ainda acontece — ou seja, quando um homem além da família constituída pelo casamento mantém outra mulher, por muitos anos, impedindo que ela estude ou trabalhe, de todo injustificável que, quando da separação, ele não lhe preste alimentos. Resguardada a meação da esposa, mister que os bens que a ele pertencem, sejam partilhados com quem se dedicou uma vida ao companheiro e ajudou a amealhá-los. Os exemplos são muitos. De todo descabido que quem manteve uma união por mais de 30 anos, tendo com a parceira um punhado de filhos, reste sem nada no final da vida. Aliás, esta é a solução que vem sendo reconhecida pela Justiça, tanto Estadual como Federal, que determina, inclusive, a divisão da pensão por morte.
Não prever tal responsabilidade é ser conivente com quem descumpre os deveres do casamento e mantém outra entidade familiar. A lei não pode chancelar posturas que afrontem os mais elementares deveres éticos. Aliás, este foi o compromisso do Instituto Brasileiro de Direito de Família ao elaborar o Estatuto.
É chegada a hora de o Brasil adotar uma legislação que imponha obrigações a quem assume compromissos afetivos. É o que diz a antiga frase de Saint-Exupéry: Você é responsável por quem cativa!

Anuário da Justiça São Paulo 2010: http://www.conjur.com.br/2010-dez-21/retrospectiva-2010-quem-assume-compromisso-afetivo-obrigacoes

sábado, 11 de dezembro de 2010

Mãe "rouba" filha do pai e foge para o Brasil, com a conivência do tribunal em Portugal


Mãe "rouba" filha ao pai com a conivência do tribunal

Ontem

Carlos Varela
Uma funcionária judicial está a ser julgada no Tribunal de Setúbal, acusada de ter possibilitado a fuga de uma mulher para o Brasil, com a filha menor e retirando-a ao pai, contrariando uma decisão judicial, que proibia a saída da criança de Portugal.


A funcionária, L.M.F.A., uma escrivã-adjunta do Tribunal de Família e Menores de Setúbal, está suspensa de funções e arrisca uma pena que pode ser superior a cinco anos de cadeia, se for condenada pelos crimes de que está acusada - falsificação, abuso de poder, prevaricação e denegação de justiça.
A razão da conduta da funcionária é que não é clara e ontem, durante o julgamento, quando a magistrada do Ministério Público quis saber se havia algum ganho pecuniário associado à conduta irregular, L.M.F.A. respondeu: "Lucrei imensos problemas".
De uma forma ou de outra, a verdade é que a arguida tinha a seu cargo a tramitação de um processo de regulação do poder paternal, no qual estava em causa a guarda de uma menor de dois anos, filha de um brasileira, Anita Soares, e de um português, Paulo Caetano.

Relação extra-conjugal
A menor nasceu de uma relação entre ambos, iniciada com um conhecimento no Barreiro,  e já depois de Paulo Caetano se ter recusado a abandonar a família já constituída - mulher e duas filhas -, com quem morava, na Moita. Mas Paulo Caetano nunca desistiu de manter contacto com a criança, contrariando os obstáculos levantados pela mãe. "Houve sempre problemas. Ela nunca aceitou que eu pudesse ver a minha filha", adiantou ao JN.
Seguiram-se os processos judiciais, movidos por Paulo Caetano, na defesa dos seus direitos enquanto pai, e, a 2 de Outubro de 2007 - tinha a criança cerca ano e meio -, a juíza titular do processo, Maria da Graça Fragoso Lopes, agora testemunha no processo-crime, determinou, "num regime provisório", que a criança ficava à guarda da mãe, mas que esta "não poderia ausentar-se para o estrangeiro com a menor, sem o prévio consentimento do pai".
Cerca de um ano depois, a 18 de Setembro de 2008, Anita Soares requereu ao tribunal uma certidão para ser emitido um passaporte para a filha, requerimento que L.M.F.A. apresentou à juíza Maria da Graça. A magistrada determinou, no entanto, que o processo aguardasse até que o pai se pronunciasse, notificando as partes do despacho, actos que passaram directamente pelas mãos da escrivã-adjunta.
Mas a verdade é que L.M.F.A., contrariando a decisão da magistrada e sem dar conhecimento superior, entregou a Anita Soares a certidão que lhe permitiu o acesso ao passaporte. A 7 de Outubro, Anita Soares já tinha o passaporte da filha e sete dias depois fugia para o Brasil com a menor.
 "Só soube o que se passava, quando ela me telefonou, dizendo que já estava no Brasil", frisou ontem Paulo Caetano em Tribunal.
Quanto à arguida, defendeu-se do erro de ter permitido a Anita Soares o acesso ao passaporte e à fuga. "Não sabia que ela ia viajar. Nunca pensei que ela fosse viajar".
Justificou-se ainda com o seu estado de saúde, na altura, por sofre de desequilíbrios, mas o tribunal já requereu a presença da médica que na altura assistia L.M.F.A. para avaliar até que ponto o estado clínico foi ou não decisivo. O julgamento prossegue no dia 4 de Janeiro.
Fonte: http://jn.sapo.pt/PaginaInicial/Policia/Interior.aspx?content_id=1731455