quinta-feira, 19 de junho de 2008

Entrevista com a Desembargadora Maria Berenice Dias

Lei que institui guarda compartilhada está no Diário Oficial
Presidente sancionou a nova determinação na sexta-feira
A guarda compartilhada agora está regulamentada por lei. De acordo com a norma, publicada na edição desta segunda-feira do Diário Oficial da União, são compartilhadas as responsabilidades e decisões sobre a vida do filho em todas as áreas, visando ao bem-estar da criança. A Câmara aprovou o projeto em maio e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei 11.698 na última sexta-feira. A norma prevê que a guarda pode ser tanto unilateral (só de um dos pais) quanto compartilhada (dos dois), nesse caso, quando não houver acordo entre a mãe e o pai sobre a guarda do filho. De acordo com o texto, “para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar”.
AGÊNCIA BRASIL
O que muda com o novo projeto
Como é a guarda dos filhos de pais separados atualmente? O juiz ouve os cônjuges e decide quem fica com a guarda dos filhos. Historicamente, a preferência é dada à mãe e, excepcionalmente, ao pai ou, na falta desses, a outros familiares. A mãe que tem a guarda fica com as crianças e adolescentes e se responsabiliza pelas decisões cotidianas que as envolvam, desde a freqüência à escola até a liberação para festas, por exemplo. O pai pode participar dessas decisões, por questão de bom senso e porque não deixa de ser pai, mas a guarda, a responsabilidade, é da mãe. O pai também tem o direito de conviver com os filhos, em dias fixados em acordo com o juiz. A guarda não extingue um dever familiar. Mesmo que o pai não esteja com a guarda, isso não elimina seus direitos e deveres.
O que muda com a guarda compartilhada? Pai e mãe separados podem requerer na Justiça a guarda compartilhada. Ambos estarão em igualdade de condições quanto a responsabilidades e decisões. Não há um modelo ou uma regra pronta de compartilhamento. E também não quer dizer, por exemplo, que serão divididos ao meio o tempo de permanência das crianças na casa de um e de outro ou os encargos financeiros com os filhos. Não há rigidez quanto ao tempo de permanência na casa de um e de outro. O compartilhamento é mais amplo, sempre com o objetivo de beneficiar as crianças. Por exemplo, pai e mãe podem tratar das questões relacionadas com a escola em igualdade. Ou cuidar das idas ao médico e até a festas. As decisões, inclusive o planejamento de longo prazo da vida dos filhos, são tomadas em conjunto entre pai e mãe. Os desejos e as demandas das crianças devem ser levados em conta.
Quais são as outras mudanças? Muda principalmente a forma como pais separados lidam com os filhos. Pai e mãe são desafiados a serem participativos e a convergir nas suas decisões em relação aos filhos, mesmo separados. Muda-se a mentalidade de que pais separados devem tentar impor vontades uns aos outros, muitas vezes usando os filhos como pretextos para desentendimentos. A afetividade ganha importância.
O compartilhamento é novidade? Não. No Rio Grande do Sul, a Justiça — pioneira em muitos aspectos do direito de família — vem estimulando essa prática nos últimos oito anos. Mas até agora, como não estava prevista em lei, a guarda compartilhada era sugerida pelo juiz a casais separados que mantenham bom relacionamento. Geralmente, era adotada por consenso entre pais e mães e em atendimento ao desejo dos filhos.
Agora, o juiz poderá impor a guarda compartilhada se os pais não chegarem a um acordo? A lei prevê que a guarda compartilhada deve ser estabelecida em comum acordo entre os separados. Mas o juiz poderá, diante de um impasse, determinar que esse sistema seja adotado pelos pais. O juiz vai avaliar, como já faz hoje, as condições psicológicas, sociais e econômicas do pai e da mãe, sempre levando em conta o que é melhor não para os separados, mas para os filhos.
Com a guarda compartilhada, cessa o pagamento da pensão alimentícia? Não. Mesmo que a guarda compartilhada seja adotada, um dos cônjuges pode submeter ao juiz um pedido de pensão. Como ocorre até hoje, o juiz irá avaliar o pedido, levando em conta as condições econômicas e sociais de cada um e as circunstâncias envolvidas. A guarda compartilhada não é determinada por questões econômicas ou financeiras, mas principalmente pelas condições de pai e mãe de assumirem, em igualdade, responsabilidades e decisões.
Os filhos terão duas casas? As crianças irão morar onde for definido em acordo pelos pais e por elas, como ocorre hoje. Podem inclusive morar com um deles e passar o fim de semana na casa de outro. Ou ter dois hábitats, um na casa da mãe e outro na casa do pai. Não é o lugar da moradia das crianças que define ou não a guarda compartilhada.
A guarda compartilhada evita o jogo de empurra? Os conflitos entre casais são normais e geralmente se acirram quando esses se separam. O jogo de empurra quanto a atitudes e decisões pode continuar existindo, mas deve ser melhor administrado. Vão prevalecer os aspectos positivos da experiência de compartilhar responsabilidades. O compartilhamento deve ser visto também como um aprendizado.
Um pai que não tem a guarda do filho pode pedir que o juiz revise uma decisão anterior e pedir agora a guarda compartilhada? Pode. Por exemplo, se a guarda está com a mãe, por deliberação da Justiça, um pai pode requerer, baseado na nova lei, o compartilhamento. O juiz pode aceitar ou não o pedido.
Fontes: desembargadora Maria Berenice Dias, do Tribunal de Justiça do Estado, e psiquiatra Olga Falcetto, do Instituto da Família de Porto Alegre (Infapa)

Nenhum comentário:

Postar um comentário