segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Plano nacional vai exigir mais proteção para primeira infância

Luiz Beltramin


Determinante para moldar personalidade, valores e o próprio desenvolvimento físico, psíquico e intelectual do adulto no futuro, a chamada “primeira infância”, período compreendido desde o nascimento até os 6 anos de idade, poderá ganhar um conjunto específico de normas.

A medida, denominada Plano Nacional pela Primeira Infância (PNPI), foi analisada pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), colegiado com vínculo à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

Apresentada oficialmente em dezembro passado, a iniciativa foi redigida pela Rede Nacional Primeira Infância, entidade composta por um conjunto de organizações da sociedade civil, governo e setor privado e, conforme os idealizadores, agora é formatada como projeto de lei, a ser enviado para o Congresso Nacional.

A proposta, explica Vidal Didonet, secretário executivo da Rede Nacional Primeira Infância, não é estabelecer um regimento conflitante com as normas que preservam os direitos de crianças e jovens já existentes, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) ou a própria Constituição Federal, mas sim ser uma ferramenta que garanta e otimize a praticidade das normas já em vigor.

“Temos uma legislação muito avançada no Brasil com relação aos direitos da criança e adolescente, assim como a prática, muito amadurecida na formulação das políticas públicas”, reconhece Didonet. “No entanto, existe a necessidade de articulação dos planos, trabalhados muito verticalmente, sem diálogo entre as áreas”, pondera.

O plano, de 116 páginas, propõe uma visão holística sobre a infância em variados quesitos, como segurança, alimentação, saúde, educação, cultura, família, assistência social, entre outros, especificamente sobre os seis primeiros anos de vida da criança. A fase é considerada decisiva para toda a vida, segundo especialistas.

Um dos diferenciais do texto, acrescenta Didonet, é a proposta do estabelecimento de uma política setorial de longo prazo, com metas a serem cumpridas até 2022, até mesmo como forma de garantir continuidade às ações geralmente interrompidas a cada ciclo governamental, observa o secretário da Rede Nacional.

Apesar do caráter articulador, o projeto também visa preencher algumas lacunas existentes em outros planos e até mesmo em legislação vigente. “Queremos complementar as áreas carentes de um atendimento maior. Existe um plano na área de proteção à criança contra a violência, mas que precisa de atenção maior, assim como elas estão descobertas quanto aos meios de comunicação, sendo cada vez mais incentivadas ao consumo. Não temos, por exemplo, regulamentações sobre propagandas dirigidas às crianças”, observa o estudioso, radicado em Brasília (DF), e que concedeu a entrevista por telefone ao JC.


Atribuição


União, Estados e municípios estão incumbidos no cumprimento de normas já existentes e na aplicação de projetos que supram a lacuna deixada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, informa o secretário da Rede Nacional pela Primeira Infância.

Contudo, ressalva, as cidades ainda estão em fase embrionária de mobilização, sendo que apenas a Capital paulista, por meio de representantes engajados no plano, começa a viabilizar encontros para discutir formas de intervenção municipal no Plano Nacional pela Primeira Infância (PNPI), que será enviado para apreciação tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal.

Independentemente às instituições, a proposta é fazer com que cada profissional saia do meio acadêmico apto a lidar com a primeira infância. “Os profissionais, exceto o médico pediatra, deixam a faculdade sem nenhum estudo específico sobre criança”, opina.


Direito de brincar


Um dos destaques do Plano Nacional pela Primeira Infância (PNPI) é assegurar que todas as crianças, ainda mais na faixa etária de zero a 6 anos, possam ter acesso ao lúdico, ou seja, brincar e assim garantir pleno desenvolvimento.

“O ato de brincar está cada vez mais ausente. Nas escolas, com árvores cortadas e parques pavimentados, ou pela escassez de tempo, hoje a criança é submetida a outras atividades substitutas, o que é um engano. Em casa também se brinca menos. Na pobreza, a criança não tem brinquedo, mas há problema de espaço tanto nas classes menos favorecidas quanto na classe média, porque as casas estão cada vez mais apertadas. E nas classes mais altas, as crianças estão sobrecarregadas de conteúdo e não conseguem brincar”, acentua Vidal Didonet, secretário executivo da Rede Nacional Primeira Infância.

E a falta de brincadeira nessa fase da vida pode trazer sérios prejuízos na vida adulta, atesta a psicóloga educacional bauruense Vera Okubo. “O lúdico faz parte dessa etapa da infância de zero a 6 anos. Através do brincar ela elabora vários conteúdos e soluções de conflitos. Se essa fase é pulada, certamente faltará em algum lugar lá na frente”, relaciona. “A criança não pode deixar de ser criança. Não pode ter agenda de adulto”, completa a psicóloga.


Delitos estão relacionados com falta de cuidados


Diversas formas de amparo também são levantadas pelo Plano Nacional pela Primeira Infância (PNPI), que dedica páginas tanto às atribuições familiares quanto às institucionais. A falta de cuidado na primeira infância, principalmente em casa, asseguram autoridades do setor, influencia diretamente na prática de delitos e provoca, consequentemente, encaminhamento para entidades socioeducativas anos mais tarde.

Para a titular da Delegacia da Infância e Juventude (Diju) de Bauru, Rejani Borro Ortiz Tiritan, a medida é válida, principalmente, como ferramenta para cumprimento prático da lei. “Temos que ter esperança. Se foi elaborado o plano, é porque existe vontade política de que a lei seja aplicada”, confia a delegada de polícia.

Mesmo havendo o ECA, conjunto de normas que já garante os direitos da criança, a presidente do Conselho Tutelar de Bauru, Roberta Maria Almeida de Oliveira, reconhece a necessidade de um olhar diferenciado para a chamada primeira infância.

“Sem dúvida, a primeira infância é a época de formação da criança, a idade da alfabetização, por isso merece uma atenção diferenciada. O desenvolvimento da criança, em todos os sentidos, depende dessa primeira fase”, enfatiza a presidente Roberta.

Tanto é que, de janeiro a dezembro do ano passado, o órgão contabilizou 1.459 atendimentos que envolveram, de alguma forma, crianças na faixa etária focada pelo Plano Nacional.

Já o presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), em Bauru, padre João Inácio Rodrigues, foca outro importante agente curador do bem-estar infantil nessa idade, os pais.
“Os governos em todas as esferas têm de propiciar condições dignas para as crianças nos mais variados aspectos da formação humana. Nessa fase, a criança precisa de um conjunto de leis que as defenda”, aprova. “Contudo, o ideal é que chamemos a atenção para a primeira responsabilidade, que é dos pais”, sentencia.

Independentemente à atribuição de responsabilidades ou quantidade de normas existentes e que ainda carecem de crivos legislativos ou governamentais, a psicóloga educacional Vera Okubo chama atenção para um detalhe que pode ser todo o diferencial entre leis, estatutos ou recomendações timbradas: “Mas e a prática, será que ela acontece?”, questiona.


Fontre: CJ Net http://www.jcnet.com.br/detalhe_geral.php?codigo=201850

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